Teoria da Agência e Teoria dos Stakeholders

Resenha

Finanças
Teoria
Autor

Kléber Formiga Miranda

Data de Publicação

18 de setembro de 2020

A continuidade das atividades é uma meta permanente para todo empreendimento, pois representa o sucesso do investimento e efetivação da empresa na relação contratual motivadora de sua existência. A responsabilidade pelo êxito empresarial não depende de apenas um indivíduo ou grupo, mas de todos os interessados na fixação do negócio no mercado.

Embora esse contexto pareça óbvio, norteia a discussão conceitual e teórica de abordagens tratadas no âmbito da firma. Especificamente, serão discutidas as teorias da agência (TAg) e a teoria dos stakeholders (TSh), cujas abordagens diferem quanto ao foco a ser dado para a existência e continuidade das firmas.

Ambas teorias revelam um papel endógeno da firma, contrariamente ao contexto envolto em princípios econômicos neoclássicos, para os quais a firma desempenharia papel secundário na economia. A firma, no âmbito da TAg e TSh, responsabiliza-se pelo seu desempenho e a partir da sua efetivação, provoca modificações no ambiente levando concorrentes e demais agentes a acompanhar novos paradigmas exitosos.

O questionamento a ser discutido é quanto ao foco da empresa: o acionista ou todas as partes interessadas?

Para Jensen e Meckling (1976) as relações contratuais compõem a essência da firma e tratam dos problemas de agência enfrentados nessas relações. Contudo, embora reconheçam as relações entre a firma e outras partes interessadas como empregados, clientes e fornecedores, focam essencialmente na relação entre acionistas e administradores (alta administração).

Propondo complementar a abordagem da TAg, a TSh assimila outros participantes na relação contratual da firma além do acionista e gestores. Conforme Hill e Jones (1992), autores interessados em áreas ainda não exploradas inerentes ao comportamento organizacional, teoria organizacional e gestão estratégica buscam explicar a natureza das relações contratuais implícitas e explícitas existentes entre os stakeholders da firma. Além de gestores e acionistas, stakeholders incluem empregados, clientes, fornecedores e público em geral. (Hill & Jones, 1992).

A discussão a seguir trata de apresentar e comparar as abordagens trazidas pela TAg e pela TSh. Se por um lado os gestores e acionistas são o foco de atenção por serem os responsáveis pela maximização dos resultados da firma, de outro lado tem-se todas as demais relações da firma com o meio também influentes e interessados no resultado da firma.

A literatura econômica das décadas de 60 e 70 centrou-se nas relações empresariais entre gestores e acionistas, especificamente quanto ao valor da firma considerando o valor de uma firma quando gerida pelos proprietários e quando gerida por gestores profissionais.

A separação entre propriedade e controle é abordada em Jensen e Meckling (1976) para a relação entre elementos da teoria dos direitos de propriedades, teoria da agência (TAg) e teoria das finanças. Para a abordagem desse position paper interessa a discussão quanto a TAg, em especial o pressuposto da maximização de utilidade de gestores e acionistas. Para Jensen e Meckling (1976), se ambos buscam otimizar seus resultados há boas razões para o agente agir, algumas vezes, em prol de seus interesses em detrimento ao interesse dos acionistas.

Constitui-se a relação principal-agente sobre a qual são explorados os conflitos de interesse entre o transmissor de poderes (principal) e o executor (agente). Essa relação recebe, de acordo com Jensen e Meckling (1976), uma conotação metafórica de contrato. O contrato é a unidade de análise responsável pela regência dos limites da relação entre o principal e o agente. As pesquisas interessadas nessa linha de atuação procuram meios para determinação do contrato mais eficiente ou descrever mecanismos capazes de limitar a atuação oportunista do agente.

Para Eisenhardt (1989), um contrato eficiente seria aquele capaz de alinhar os interesses do principal e do acionista. Para tal, seria preciso escolher entre um contrato baseado em resultado ou baseado em comportamento. Para o primeiro (resultado) o agente teria incentivos para agir tal qual o principal por meio de participação acionária, comissões, direitos de propriedade. Já para o segundo (comportamento) seriam utilizados mecanismos como salários fixos, status e hierarquia na empresa.

Estabelecem-se, dentro da teoria da firma, duas linhas com a mesma unidade de análise qual seja o contrato entre principal e agente: a linha positivista e a linha principal-agente. A linha positivista preocupada na identificação de situações onde os objetivos do principal e agente são conflitantes e de cunho menos matemático. Para os positivistas da TAg, os contratos baseados em resultados são mais eficientes. Na linha principal-agente procura-se uma teoria geral desse relacionamento com aplicação em relações como empregador-empregado, comprador-fornecedor, dentre outras. Para a linha do principal-agente os pressupostos são cuidadosamente especificados, seguidos de dedução lógica e prova matemática. (Eisenhardt, 1989).

Quão avançadas forem as descobertas acerca de mecanismos inibidores de práticas oportunistas do agente, maiores serão os reflexos (positivos ou negativos) sobre os custos de agência. Os custos de agência são definidos por Jensen e Meckling (1976) como o desembolso necessário para monitoramento e segurança de decisões ótimas pelo agente com vistas a atender às exigências do principal. Dada a certeza da existência dos custos de agência (Jensen & Meckling, 1976), há a propensão em procurar reduzi-los por meio de contratos eficazes. Nesse campo emergem campos para pesquisas preocupadas em descrever ou identificar mecanismos com o potencial de alinhar os interesses entre principal e agente.

O foco da relação entre o principal e o agente, conforme aborda a TAg, denota haver a maximização do valor da firma quando o esse contrato é eficiente. Contudo, Jensen e Meckling (1976) enfatizam ser apenas uma pequena parcela dos problemas geradores dos custos de agência. Trata-se de um recorte metodológico na avaliação do objeto de estudo proposto para análise entre a propriedade e a alta administração da empresa.

Outras pesquisas propuseram analisar o problema de agência de forma ampla ao considerar todas as relações contratuais implícitas e explícitas entre todas as partes interessadas na firma. Edith Penrose ao publicar A Teoria do Crescimento da Firma lançou as bases conceituais para essa teoria mais abrangente do ponto de vista da análise, denominada Teoria dos Stakeholders (TSh). (Clarke, 1998).

Os objetivos das empresas devem derivar do equilíbrio entre as reivindicações das várias partes interessadas nas empresas. Assim, o interesse não apenas de acionistas e gestores, mas de funcionários, fornecedores, clientes, dentre outros, deveriam ser considerados como essenciais para maximização do valor da firma. Especialmente em ambiente competitivo onde os valores intangíveis são variáveis inerentes.

Embora haja diferenciações entre a TAg e a TSh, seus focos de análise são os conflitos entre agentes do processo contratual da firma. A distinção essencial reside no foco restrito da TAg por tratar apenas da relação entre acionistas e gestores da alta administração, comparado ao foco mais abrangente da TSh por abranger todas as relações contratuais da firma. Ressalta-se serem ambas incorporadas à ideia da teoria da agência, preocupando-se com aspectos diferentes (ou complementares) das motivações para a maximização do valor da firma.

Essas divergências são destacadas por Hill e Jones (1992) quando relatam serem similares em muitos aspectos ambas as teorias. Para os autores, a TSh baseia-se em pressupostos relativos a processos de mercado substancialmente diferentes daqueles subjacentes à versão da TAg. Enquanto a TAg pressupõe a eficiência dos mercados na qual há um ajuste rápido do mercado à novas circunstâncias, a TSh admite ineficiências nesse processo. A eficiência de mercado implica em trânsito livre (saída e entrada) dos principais e agentes pelo contrato. Para a TAg essa liberdade não existe, pois existem fatores impeditivos, tais como escassez de bons gestores, além de não haver sempre possibilidade de escolha imediata.

A TSh é utilizada por algumas pesquisas de caráter descritivo/empírico para explicar características e comportamentos específicos tais como a natureza da empresa, a forma como os gerentes pensam sobre a gestão das empresas, como os membros do conselho enxergam a gestão. (Donaldson & Preston,1995). Pesquisas instrumentais são caracterizadas por proporem práticas a serem adotadas pelas partes interessadas no intuito de alcançar a otimização do desempenho e as pesquisas normativas, indicadas por Donaldson e Preston (1995) como a mais contributiva para a TSh, buscam interpretar a função da empresa, nesse esforço incluem orientações morais e filosóficas sobre as operações e gestão das empresas.

É importante considerar todos os stakeholders da firma na perspectiva de serem a razão de existência da firma. Clarke (1998) demonstra essa perspectiva como sendo o conceito seminal do termo stakeholder. Clarke (1998) ainda menciona outras iniciativas como fomentadoras do foco da gestão para os stakeholders, quais sejam as relações com clientes e investidores.

As abordagens de Clarke (1998) demonstram tendências para gestões modernas. Se antes o foco era o acionista, hodiernamente temos toda a cadeia de relações como importantes para o futuro da empresa. A concorrência acirrada com possibilidade de informações positivas e negativas sobre os negócios, praticamente em tempo real, empurram as gestões para novos paradigmas de sobrevivência.

Assim, os conflitos existentes no elo contratual da firma são verdadeiros e não podem ser negligenciados no momento de se estabelecer estratégias empresariais. No mínimo, deve-se observar a existência de custos de transação no processo de contratação da firma com outros agentes.

O monitoramento da gestão realizada pelo acionista, foco de análise da teoria da agência trata-se de um dos principais objetos de análise nas pesquisas sobre esses conflitos. O fato de o acionista não poder acessar todas as ações do gestor contribui para criação de mecanismos inibidores de práticas oportunistas em detrimento à maximização do valor da firma.

Contudo, em tempos mais recentes, a maximização da riqueza do acionista passou a ser questionada do ponto de vista do papel social das empresas, pois aquelas com melhor tratamento com seus pares de contrato possuem mais receptividade, comparadas àquelas com foco no lucro e nos interesses dos acionistas.

Desta forma, emergem interesses por pesquisas sobre a teoria dos stakeholders para a qual todos os interessados na empresa possuem reivindicações específicas a serem atendidas pela gestão, sob pena de fuga de partes contratantes para contratos mais viáveis.

Conclui-se, por conseguinte, pelo direcionamento de pesquisas voltadas à compreensão do bojo contratual da firma e não apenas de uma relação apenas como propõe a teoria da firma. Ainda assim, é importante mencionar a importância da relação principal-agente dentre as demais, pois o caráter residual da remuneração dos acionistas lhes colocam em posição de maior risco. Nas demais relações contratuais, os principais possuem direitos contratuais mais explícitos e, por muitas vezes, garantias não dedicadas aos acionistas.


Clarke, T. (1998). The stakeholder corporation: A business philosophy for the information age. Long Range Planning, 31(2), 182-194.

Donaldson, T. & Preston, L. E. (1995). The stakeholder theory of the Corporation: concepts, evidence, and implications. Academy of Management Review, 20(1), 65-91.

Eisenhardt, K.M. (1989). Agency Theory: An Assessment and Review. The Academy of Management Review, 14(1), 57-74.

Hill, C. W. L., & Jones, T. M. (1992). Stakeholder-agency theory. Journal of Management Studies, 29(2), 131-154.

Jensen, M. C. & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3(4), 305-360.


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