Sentimento do investidor no mercado de ações
Resenha
Eventos históricos no mercado de capitais são de explicação desafiadora. O modelo financeiro padrão, no qual os preços são o valor presente dos futuros fluxos de caixa esperados, possui dificuldades em se ajustar a esses padrões. As finanças comportamentais sugerem um modelo com duas premissas: 1) Sentimento do investidor origina-se na crença sobre fluxos de caixa futuros e riscos de investimento que não são justificados pelos fatos disponíveis (à mão - at hand); 2) Apostar contra investidores baseados em sentimento é caro e arriscado. Assim, os investidores racionais negligenciam os fundamentos (sugerido pelo modelo padrão). Portanto, há limite para arbitragem. Entretanto, antes de períodos de quebra/crise o que se observa é a majoração dos preços ao invés de criação de mecanismos contrários aos arbitradores (Baker & Wurgler, 2007).
Nesse contexto, é incontestável a influência do sentimento do investidor no mercado de capitais (preços). Assim, a questão não é sua existência, mas a sua mensuração. Baker e Wurgler (2007) expõem duas abordagens possível para mensuração do sentimento. Pela abordagem bottom-up (de baixo para cima) usa-se o viés do investidor individual tais como excesso de confiança, representatividade e conservadorismo para explicar como investidores individuais reagem positiva ou negativamente aos retornos passados ou aos fundamentos. Quando agregados, modelos individuais fornecem previsões sobre padrões no sentimento do investidor, preços de ações e volume do mercado como um todo. A abordagem bottom-up possui pouca variação com o passar do tempo na psicologia de massa. Diferentemente da abordagem bottom-up, a abordagem top-down (de cima para baixo) foca na mensuração de forma reduzida, sentimento agregado e traça seus efeitos no retorno de mercado e ações individuais.
O sentimento do investidor proposto por Baker e Wurgler (2007) utilizam a abordagem top-down. Busca-se dois pressupostos mais amplos e irrefutáveis: sentimento e limites de arbitragem. Explica-se quais ações são mais prováveis de serem mais afetadas pelo sentimento ao invés de simplesmente indicar qual o nível de preços agregado depende do sentimento. Algumas características são mais suscetíveis ao sentimento do investidor, quais sejam a baixa capitalização, pouco tempo de existência, pouca rentabilidade, alta volatilidade, não pagamento de dividendos, está em crescimento ou crise, dentre outros. Dessa forma, alguns aspectos das abordagens top-down ou bottom-up se demonstram favoráveis à análise do sentimento do investidor.
A vantagem da abordagem top-down é seu potencial de abrangência de bolhas, crises e mais padrões diários nos preços das ações de forma simples, intuitiva e abrangente. A vantagem do modelo bottom-up é fornecer microfundamentos para a variação no sentimento do investidor, considerado exógeno pelo modelo top-down. Os trabalhos pioneiros surgiram na década de 80 sem teorias (ateóricos) testando de várias formas a possibilidade de o mercado como um todo ser mau precificado. Testava-se a reversão à média dos retornos ou previsibilidade dos retornos agregados usando quocientes de valuation. Nesses estudos o papel do sentimento ficou implícito, associado à fragilidade das evidências estatísticas. A previsibilidade dos retornos poderia refletir uma correção da má precificação do sentimento induzido (Baker & Wurgler, 2007).
O trabalho de Baker e Wurgler em 2006 utilizam avanços na teoria de finanças comportamentais ao fornecer testes mais nítidos para os efeitos do sentimento. Nesses modelos os investidores são de dois tipos: a) arbitradores racionais: imunes ao sentimento de mercado por basear-se em fundamentos; b) negociadores irracionais: sujeitos ao sentimento exógeno. Esses investidores competem no mercado fixando preços e retornos esperados. O limiar entre ambos acontece devido ao limite dos arbitradores quanto a visualização em horizontes de tempo curto e pelos custos e riscos de negociar a descoberto. Os investidores irracionais acabam influenciando no preço e nem sempre os preços são valores baseados em fundamentos. Assim a má precificação pode vir da irracionalidade de alguns investidores ou da limitação de outros (Baker & Wurgler, 2007).
Verifica-se, portanto, que choques de demanda baseados em sentimento variam entre as firmas, mas a arbitragem não. O sentimento é mais demandado em títulos especulativos. Quando o sentimento aumenta, esperamos que ações especulativas tenham retornos atuais maiores. Para Baker e Wurgler (2007) a dificuldade e subjetividade na avaliação das firmas são características que tornam ações mais especulativas em relação as demais. Firmas mais jovens e/ou em crescimento estão mais propensas a especulação e, portanto, aos efeitos do sentimento. A incerteza significa que o efeito do excesso de confiança, representatividade e conservadorismo são mais pronunciados. A mudança na propensão a especular surge da diferença de opinião entre investidores com a mesma informação básica. Não se espera, dessa forma, a mesma reação sobre a informação disponível.
Mesmo com a arbitragem variando entre as firmas (jovens, pequenas, baixa rentabilidade ou em alto potencial de crescimento) os arbitradores tenderão a fugir desses papeis quando sua má precificação for muito alta. Por não pagar dividendos, os seus fundamentos são adiados, ficando sujeitos a especulação. Mostra-se que o sentimento tem grande efeito sobre esses papeis. A conclusão a que se chega é que empresas com características específicas (jovens, pequenas, mais voláteis, pouca rentabilidade, não pagadora de dividendos, em crise ou em potencial de crescimento extremo - ou companhias com características análogas) estão mais sujeitas ao sentimento do investidor. Contrariamente, ações melhores no mercado (bond-like) são menos gerenciadas pelo sentimento.
A discussão sobre a mensuração do sentimento do investidor perpassa, portanto, para a indicação de algumas proxies, sendo possível propor algumas medidas e demonstrar seu comportamento em relação aos principais episódios especulativos dos últimos 40 anos. Um choque exógeno no sentimento do investidor influencia uma cadeia de eventos que pode ser observado por todas as suas partes. As crenças do investidor, por exemplo, podem ser pesquisadas. Os resultados dessa pesquisa podem traduzir padrões de negociação que são registrados. A arbitragem limitada sofre pressão, gerando alguns mispricings que podem ser usados pelo benchmark em fundamentos (book-to-market, por exemplo). Esses mispricings podem gerar uma informação privilegiada para insiders (executivos) que podem ter incentivos para levar vantagem com a informação e, então, ajustar sua estrutura de capital.
Cada parte dessa cadeia sofre influências conflitantes. Os economistas tendem a suspeitar das pesquisas, pois a resposta nem sempre reflete o real comportamento do respondente. Negociações tendem a zero (não há ganhos anormais), então medir sentimento com atividades de negócios significa se posicionar alinhado com investidores irracionais. O preço de mercado normalmente reflete fundamentos, de modo geral, com sentimento desempenhando um papel menor. Assim, a alteração da estrutura financeira pode acontecer por muitas razões, inclusive pela mudança de fundamentos dos negócios em vez de simplesmente agir como arbitradores corporativos. A utilização de proxies para sentimento se torna imprescindível. Nessa perspectiva, Baker e Wurgler (2007) listam algumas possíveis proxies.
Pesquisas com investidores questionando o quão otimista eles estão pode dar alguns insights quanto aos investidores irracionais marginais. O índice de confiança do consumidor possui correlação forte com o índice UBS/Gallup (survey com investidores caseiros e profissionais), especialmente com retornos de pequenas ações ou por ações dominadas por investidores de varejo. Humor do investidor (sem muita ênfase dada por Baker e Wurgler (2007)), possivelmente por ser mais subjetivo, relaciona atributos emocionais (transtornos depressivos no entardecer, resultados de jogos de futebol) associando esses humores com baixos retornos, em especial de pequenas ações. A negociação de investidores de varejo é interessante, pois foi são mais prováveis em está suscetíveis ao sentimento, pois a literatura identificou que esses investidores compraram mais ações próximo a bolha da internet (Baker & Wurgler, 2007).
A forma como investidores alocam seus recursos em fundos mútuos é facilmente identificada em dados disponíveis. Uma medida de sentimento proposta por outros autores é baseada no movimento entre fundos de maior ou menor risco. Os fundos são conhecidamente investidores em investimento com altos retornos. Outra evidência empírica é que os fundos ao permanecerem com uma ação rentável na compra, possuem retornos pobres em períodos posteriores. O Volume de negociação (ou liquidez) é uma boa proxy para sentimento do investidor. Vendas a descoberto (short-selling) são mais caras que posições de longo prazo. Investidores irracionais são mais propensos a negociar (aumentar a liquidez) quando estão otimistas ou apostar no crescimento das ações em relação quando estão pessimistas. O Market Turnover, a razão entre o volume negociado e o número de ações listadas na NYSE é uma proxy simples para este conceito (Baker & Wurgler, 2007).
A característica de pagar ou não dividendos pode ser determinante para a ocorrência do sentimento. Quando empresas são pagadoras de dividendos se assemelham a títulos com resultados previstos. O prêmio de dividendos decorre no estudo de 2004 de Baker e Wurgler como a diferença entre o book-value de empresas pagadoras e não paradoras de dividendos. O prêmio de dividendo explica a maior parte da tendência histórica da propensão da firma pagar dividendos. As empresas parecem atender ao sentimento quando esse está contra ou a favor à segurança ao se decidir pagar dividendos. Há uma associação entre fundos fechados e o sentimento, pois os esses fundos são dominados por pequenos investidores (retail investor). O desconto cobrado nesses fundos pode ser uma proxy para sentimento, pois tende a aumentar quando os pequenos investidores estão em baixa (Baker & Wurgler, 2007).
Os preços das opções aumentam quando o ativo subjacente tem sua volatilidade esperada aumentada. Os modelos de opções (BS) podem ser invertidos para ganhos implícitos de volatilidade como uma função dos preços das opções. O Índice de Volatilidade do Mercado (VIX), da bolsa de Chicago que mede a volatilidade implícita das opções das 100 ações do índice S&P, também chamada de índice do medo, discute os picos do VIX em períodos como o crash de outubro/1987 e a crise do gerenciamento de capital de longo prazo em 1998. O primeiro dia após o IPO apresenta notáveis retornos que são difíceis de ser explicados a não ser pelo entusiasmo do investidor. Os retornos dos primeiros dias após o IPO mostram picos e baixas altamente correlacionados com o volume de IPO. A demanda por IPO (volume de IPO) é extremamente sensível ao sentimento do investidor. Os bancos de investimento falam em janelas de oportunidade para IPO que caprichosamente abre e fecha. As flutuações no volume são selvagens, saindo de 100 para zero por mês (Baker & Wurgler, 2007).
A alta emissão de ações em relação à emissão total (dívidas mais ações, inclusive IPO) são associados a baixos retornos em período posterior, sugerindo um padrão no qual as firmas trocam sua estrutura de capital com redução de custo de capital. Não implica em previsão de preços do mercado como um todo, mas má precificação relacionadas entre firmas que as levam a ações gerenciais correlacionadas que podem então prever retornos. O insider trading no qual executivos possuem melhor informação sobre o valor de suas empresas em relação aos demais participantes. Deixada a legalidade de lado, as decisões do portfólio pessoal dos executivos podem revelar suas visões sobre a má precificação de suas firmas. Se o sentimento leva à má precificação correlacionada, padrões de insider trading podem conter um componente de sentimento sistemático (Baker & Wurgler, 2007).
As possibilidades de proxies para sentimento são diversas, entretanto, a disponibilidade de dados reduz consideravelmente a possibilidade de escolha das variáveis para cálculo do sentimento do investidor. Embora possa variar diariamente, a maioria dos eventos ocorrem anualmente. Os testes mais convincentes sobre os efeitos do sentimento são aqueles preocupados em predizer um longo horizontes de retornos. A escolha feita por Baker e Wurgler (2007) foram 6 proxies: o turnover (TURN), volume de IPO (NIPO), primeiro dia de retorno do IPO (RIPO), prêmio de dividendos (PDND), emissão de novas ações (S) e desconto de fechamento dos fundos (CEFD). Essas variáveis foram analisadas pelo método de componentes principais, cujos cofatores indicam quando de cada variável implicará na formação da variável de sentimento.
Os resultados sugerem que o sentimento de mercado, especialmente o calculado pela sua variação, explicam melhores momentos de bolha ou de crises. A volatilidade do sentimento aumenta nesses episódios, sugerindo a mudança com o tempo na relação entre o sentimento e os fundamentos. Há, contudo, evidência de que o sentimento do investidor afeta o retorno das ações, embora possa está poluído de outros elementos econômicos que torna a relação possível. Baker e Wurgler (2007) apresentam alguns desafios para a análise do sentimento quais sejam caracterizar e medir o sentimento do investidor e determinar quais ações atraem os especuladores ou tem potencial limitado de arbitragem. Mesmo com os desafios e ainda tendo bastante evidência a ser desvendada, há ganho substancial na melhor compreensão do sentimento dos investidores (Baker & Wurgler, 2007).
Baker, M., & Wurgler, J. (2007). Investor sentiment in the stock market. The Journal of Economic Perspectives, 21(2), 129–151.
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