Modelos de Estruturas de Governança Corporativa

Resenha

Finanças
Governança
Autor

Kléber Formiga Miranda

Data de Publicação

3 de março de 2021

As firmas surgem pela necessidade de redução de custos na transação entre vários agentes. O interesse de vários agentes converge para a relação contratual quando o benefício pleiteado por cada parte se torna possível via esse novo ente denominado firma. Na prática, a maioria dos envolvidos endossa poderes a um desses agentes para gerir todo o processo contratual de onde se espera a satisfação de seus pleitos no contrato.

A emergência de modelos de estrutura de governança se dá pela necessidade de maior transparência na distribuição dos ganhos da firma entre os agentes responsáveis pela constituição da firma. Alguns agentes possuem informações mais abrangentes e apuradas sobre a firma e os demais não o possui, mas podem pleiteá-las para ratificar sua permanência no contrato.

Nas firmas existem agentes com os interesses mais diversos dos quais pode-se abordar os acionistas por aplicarem recursos em troca de remuneração do capital por meio lucros, os credores por aplicarem recursos em troca de remuneração por meio de juros e os demais interessados por serem responsáveis pela execução dos objetivos da firma. A estrutura de governança das empresas deve cumprir com os interesses de todos os envolvidos, contudo o ambiente ou a ideologia nos quais se encontram as empresas podem enviesar sua eficácia.

Serão abordados modelos de estrutura de governança voltados para os interesses de grupos de stakeholder diferentes. As diferenças entre os modelos revelam a importância de estudos sobre o alinhamento de interesses entre os agentes da firma, além de demonstrar a dificuldade de se chegar a um consenso sobre o papel da firma e como distribuir a riqueza gerada pela firma de forma justa.

Na estrutura conceitual da firma cada agente possui interesse próprio na firma constituída, porém alguns defendem seus direitos com maior garantia. Essencialmente, os acionistas possuem acesso a todas as informações disponíveis na firma ou dispõem de mecanismos capazes de requerer seus direitos. Por outro lado, os demais stakeholders possuem acesso limitado às informações e contam com a transparência da empresa por meio de sua gestão. Sob o ponto de vista da aplicação do capital destacam-se os bancos e os acionistas, cada um com papel diferente na firma, mas com interesse de reembolsar o capital empregado.

Os acionistas possuem diferentes dispositivos de governança para defender seus interesses. Anderson, Mansi e Reeb (2010) destacam a possibilidade de o acionista, internamente, poder usar o conselho de administração, sistemas de remuneração de executivos, privilégios, dentre outros mecanismos para terem atendidas as suas reivindicações. Não sendo suficiente, externamente poderá vender suas ações. O acionista busca a remuneração ótima para o seu capital. Esses mecanismos internos e externos contribuem para os interesses do acionista, mas não são eficazes quando se trata dos interesses dos credores, por exemplo.

De acordo com Anderson, Mansi e Reeb (2010), Berle e Means, em 1932, argumentavam a existência de acionistas ‘atômicos’ no mercado americano, referindo-se aos acionistas com pouca influência na empresa, pouco acesso à informações e dependentes da gestão para terem seus interesses atendidos. Mesmo sendo gestores profissionais, haveria menor diligência na escolha de projetos. Os gestores, segundo os economistas da época, selecionariam projetos com maior benefício próprio ao invés de benefícios para os fornecedores de capital.

Em 1976, Jensen e Meckling, se preocupara na redução do conflito existente entre o principal e o agente. Os proprietários controladores forneceriam incentivos monetários em troca de um melhor desempenho empresarial e aumento dos fluxos de caixa da empresa. Assim, os investidores seriam beneficiados. Contudo, os gestores poderiam comporta-se de forma diversa ao contratado. No modelo de Jensen e Meckling a gestão reduziria seus incentivos em adotar má conduta quando a participação acionária aumentasse. Nesse caso o custo da má conduta aumentaria dado ao aumento da probabilidade de identificação dessa prática. (Anderson, Mansi, & Reeb, 2010).

Um modelo alternativo ao da teoria da agência é o modelo baseado na teoria do Stewardship, segundo a qual a empresa capacitaria seus gestores e fomentaria o empenho desses com a empresa. Nesse modelo, o gestor teria incentivos e motivações para alinhar seus interesses ao da empresa e agir eficazmente em prol do desempenho da empresa. Segundo Anderson, Mansi e Reeb (2010), os argumentos baseados na teoria do Stewardship sugerem que os sistemas de controle interno agem para limitar ou diminuir o compromisso gerencial e a identificação com a empresa. Assim, o conselho diretor possui um efeito moderador sobre a posse gerencial. Os efeitos do monitoramento recaem sobre o custo da dívida, diminuindo-o quando o controle se torna mais eficiente. Portanto, enquanto a propriedade dos gestores aumenta o compromisso e a influência da gestão, o nível de monitoramento inibe a utilidade da gestão, reduzindo o custo de dívida.

A discussão sobre remuneração de executivos e da participação dos conselhos nessa seara é discutida por Adams (2010) com foco nos conselhos de instituições financeira que, embora não sejam recorrente foco de pesquisa e de discussões, são importantes para entendimento sobre o comportamento de seus membros dado o ambiente regulado ao qual essas empresas estão sujeitas. O sistema bancário normalmente é responsabilidade pelas crises financeiras em nível mundial, cujas decisões passam pelos seus conselhos. Espera-se dos conselhos dessas instituições uma responsabilidade adicional, pois suas decisões impactam o mercado de forma generalizada. Conforme Adams (2010), o fato de nenhum estudo ter analisado as características dos conselhos de empresas financeiras sugere que eles são relativamente menos importantes em relação aos de empresas não-financeiras.

A regulação bancária influencia a atuação da diretoria dos bancos direta e indiretamente por impor restrições específicas sobre os conselhos, tais como tamanho, residência. Assim, os conselhos têm papel relevante para o desempenho dos bancos inferindo sobre capacidade de endividamento de firmas tomadoras de crédito. A falta de medidas preventivas pode prejudicar a saúde financeira do banco, impactando em todo o mercado – motivo pelo qual Adams (2010) contextualiza a responsabilidade bancária com crises mundiais. A governança dos bancos é, portanto, influenciada pela regulação em casos como a proibição de participação de membros dos conselhos em concorrentes, limitando a capacidade de conhecimento de mercado desses membros.

Além de acionistas e credores, os demais stakeholders também possuem interesse na governança das empresas, afinal as organizações são entidades complexas e têm muitas outras partes envolvidas, incluindo reguladores, clientes, fornecedores e cidadãos locais. A relevância destes agentes e sua participação na organização varia marcadamente dependendo do tipo de negócio, setor e do país no qual a empresa opera. Para todas as organizações, uma das partes-chave interessadas e influente são as pessoas que trabalham no negócio (funcionários, empreiteiros, consultores, pessoal da agência e outros). O sucesso da firma depende desses agentes. (Goergen, Brewster, & Wood, 2010).

A racionalidade nos incentivos do ponto de vista do acionista e dos demais stakeholders aparecem como mutuamente excludentes. Enquanto os acionistas buscam retornos para seus investimentos expropriando riqueza da firma, os demais stakeholders tem interesse na retenção de recursos para garantia futura da empresa. O sistema jurídico ao qual as empresas estão sujeitas também importa nessa diferença. Os sistemas jurídicos common law têm tradicionalmente privilegiado os direitos dos proprietários, pois em tribunais os resultados tendem a favorecer o lado com mais recursos legais à sua disposição. Em contextos onde os direitos das partes interessadas são mais fortes, há menor propensão dos acionistas controladores abusarem na expropriação dos minoritários e dos demais interessados na firma. (Goergen, Brewster, & Wood, 2010).

A discussão apresentada permeia-se na função social da firma. Enquanto a visão de acionistas pode ser a de retorno sobre o investimento, os demais interessados na firma buscam uma distribuição ampla dos recursos da firma. Assim, a ideia de remuneração residual dos proprietários seria mais evidente. Contudo, o risco do proprietário supera os dos demais participantes da firma, justificando, para esse, remunerações mais concretas e maiores quando a firma tiver condições de aportar a remuneração.

Surge a discussão de uma espécie de capitalismo responsável abordados nos discursos sobre sustentabilidade. Um modelo no qual todas as partes teriam segurança na contratação com a firma e a gestão deveria ponderar pelo bem-estar de toda a teia contratual. Goergen, Brewster e Wood (2010) apresentam aspectos inerentes a diversos contextos, demonstrando problemas quanto a dissipar o poder dentre todas as partes. Abordagens racionais sugerem que o bem-estar dos acionistas é atendido os demais interessados são beneficiados. Uma suposição é que, em contextos onde os direitos de propriedade são as mais fortes, as empresas terão um melhor desempenho. Em contraste, as abordagens sócio-econômicas veem a empresa como o centro de uma teia de relações sociais.

Embora não seja possível determinar qual a mais importante, pode-se afirmar a tendência de a governança corporativa suprir ambos os interesses. Há contextos institucionais específicos onde a governança corporativa funcionará melhor, especialmente naqueles onde os direitos de propriedade são fracos.

A satisfação de todos os agentes da firma não constitui uma demanda fácil de ser atendida. Os esforços em torno de modelos de governança para equalizar os interesses e a distribuição da riqueza gerada pelas firmas deve persistir, pois não há consenso sobre o tema, nem mesmo um norte claro. A dificuldade definir um modelo ideal continua próxima da discussão de modelos de governança o interesse do acionista parece ser o prevalente na prática.

Modelos de governança voltados para informar o acionista são pioneiros e permanecem fortes na discussão sobre o privilégio desse stakeholder em relação aos demais. O fato de o acionista possuir o maior risco e a remuneração residual da firma dá-lhe a pretensão de ser mais informado e melhor remunerado. Nesse caso, os modelos de governança se voltam para o excesso na definição de remuneração, sobretudo quando os acionistas assumem o controle da empresa. Os mecanismos de governança são robustos no sentido de inibir remunerações extraordinárias, mas ainda permanecem interesses escusos dependendo do ambiente e da modelagem da propriedade da firma.

Os bancos, enquanto participantes da firma como credores, possuem na regulação um limitador de mecanismos de governança. A definição exaustiva de composição de conselhos, formas de atuação e outras dificultam a qualificação dos conselhos de entidade financeiras, impactando em decisões muito das vezes baseadas na força política ou na divulgação de informações das empresas tomadoras de crédito. A concessão de crédito responsável pelo sistema bancário pode evitar, em alguns casos, crises de abrangência mundial. A qualificação dos conselhos do sistema bancário além de qualificar o mercado, tendência as empresas tomadoras de crédito para a responsabilidade.

Na contramão dos modelos baseados nos acionistas e nos credores estão os modelos de cunho social para os quais os interesses de todos os stakeholders possuem mesmo peso nas decisões empresariais. Embora sejam modelos vanguardistas, não são absorvidos com facilidade, especialmente em ambientes onde há concentração de propriedade.

Por fim, permanece a máxima de que os acionistas possuem preferência nas tomadas de decisão devido ao risco incorrido e pelo fato de sua satisfação implicar na continuidade da empresa. Assim como a remuneração do acionista é residual, a contrapartida para os demais stakeholders seria a preferência residual. O desafio é ponderar quanto a expropriação de direitos de stakeholders menos favorecidos de informação e de preferência na decisão por aqueles detentores de poder e propriedade. Portanto, não é a estrutura que define um bom modelo de governança, mas os atos praticados pela estrutura.


Adams, R. B. (2010). Governance of banking institutions. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 23, pp. 451-467). New Jersey: Wiley.

Anderson, R., Mansi, S., & Reeb, D. (2010). Executive behavior: a creditor perspective on managerial ownership. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 22, pp. 427-450). New Jersey: Wiley.

Goergen, M., Brewster, C., & Wood, G. (2010). Corporate governance: nonequity stakeholders. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 24, pp. 469-495). New Jersey: Wiley.


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