Governança Corporativa: Sistemas e melhores práticas

Resenha

Finanças
Governança
Autor

Kléber Formiga Miranda

Data de Publicação

21 de janeiro de 2021

Os colapsos empresariais ocorridos no início do século XXI marcam a demanda pela gestão profissional. A riqueza do acionista ficou prejudicada com as fraudes gerenciais e comportamentos inadequados de gestores no período marcado por revoluções econômicas com presença de monopólios. A solução viável para o contexto consistiu em separar a propriedade do controle. Significa definir os papéis do proprietário, responsável pelo aporte de recursos na empresa e o gestor, com a incumbência de cuidar do patrimônio do proprietário, gerando valor a sua riqueza. (Baker & Anderson, 2010).

O divórcio entre a propriedade e gestão acarretou mudanças profundas nas companhias, dentre as quais a permuta da tomada de decisões dos “capitães de indústria” para executivos contratados, os objetivos empresariais ultrapassaram a visão simplista de maximização dos lucros e, principalmente, a emergência de interesses assimétricos entre o gestor e o proprietário. (Andrade & Rossetti, 2009).

Andrade e Rossetti (2009) destacam a assimetria de interesses como ponto principal devido ao surgimento de boas práticas de governança para reaproximação entre a propriedade e a gestão. A governança corporativa reage aos oportunismos da gestão se concentrando em diretrizes para redução de oportunismos, buscando maximizar as utilidades pessoais dos proprietários e dos gestores.

Do ponto de vista teórico, Baker e Anderson (2010) destacam a pesquisa de Jensen e Meckling, de 1976, por fornecer um quadro teórico geral para a análise do comportamento gerencial para a discussão dos problemas de agência e dos custos de transação. Os problemas de agência referem-se ao distanciamento dos interesses do gestor e do proprietário. O gestor, contratado pelo proprietário, deveria tomar decisões favoráveis à parte contratando, todavia há uma tendência natural para buscar sua utilidade em detrimento dos demais. Essa prática provoca custos de monitoramento, denominados custos de transação, cuja finalidade é alinhar as ações da gestão aos interesses do proprietário.

Desta forma, se espera um sistema de governança corporativa capaz de absorver a demanda de empresas de capital aberto quanto a sua continuidade. O crescimento do número de empresas de capital aberto no início do século XXI demandou gestão dos recursos de investidores, mesmo não tendo uma legislação clara ou uma política de apresentação de resultados.

As melhores práticas de governança sugeridas pela literatura traduzem a mensagem da redução de assimetria entre proprietário e gestão, verificadas pela teoria da agência. Contudo, a natureza humana e a ampliação dos grupos de interesse dificultam a aplicação dessas práticas.

O desenvolvimento industrial americano, por volta de 1890, foi marcado por monopólios responsáveis pela manufatura. Nesse período, poucas empresas alcançavam o domínio nacional e as demais competiam regionalmente para conseguir receita suficiente para cobrir seus altos custos fixos. (Mitchell & Mitchell, 2010).

No início dos anos 1900 emergiu a lei antitruste com a finalidade de acabar com os monopólios. Nesse formato de mercado a concorrência desleal dificulta o regime de preços no mercado e impossibilita o desenvolvimento econômico. Após a lei, as corporações passaram a pulverizar o seu capital. Assim, o capital antes concentrado passa a ser distribuído entre diversos investidores com interesses nos resultados das companhias para percepção de retornos.

As primeiras experiências foram desastrosas. A regulação precária (ou a sua ausência) contribuiu para dificuldades nessa nova superestrutura financeira. A bolha de 1903 foi reflexo da capitalização excessiva no mercado por falta de critérios claros para avaliação dos investimentos. Os acionistas receberam ofertas de ganhos superiores aos legalmente previstos. O mercado de ações se tornou de alto risco dada a especulação atrelada aos investimentos. Os dividendos futuros, fruto da confusão entre os valores econômico e nominal das ações gerou nos investidores, a priori, a esperança de prosperidade e descrença, a posteriori, deixando-os cada vez mais dependentes dos órgãos de controle das empresas. (Mitchell & Mitchell, 2010).

Após a crise de 1929, as regulações sobre a avaliação dos investimentos se intensificaram, mas ainda permaneceu a dependência por órgãos de controle aos interesses dos acionistas. A preocupação com a evolução do cenário corporativo americano, altamente concentrado e aparentemente desenfreado, fomentou a criação de mecanismos de controle dos grupos majoritários e a capacitação dos minoritários para direcionar os objetivos empresariais em benefício social. (Mitchell & Mitchell, 2010).

O período compreendido entre os anos 30 e 60 foi marcado pela pluralidade no controle acionário das empresas. Nesse ínterim as regulações protetivas aos minoritários fortaleceu a relação com os majoritários. A formação dos conselhos contava apenas com menos de 10 por cento das ações das empresas, evidenciando a desconcentração do poder. Os interesses de minoritários passaram a ser melhor atendidos, abrindo espaço para a credibilidade no mercado. Mitchell e Mitchell (2010) consideram esse contexto como a abertura para uma visão centrada no mercado. Os interesses individuais foram sucumbidos pelos interesses sociais, em especial dos acionistas das empresas.

A quebra desse paradigma gerou mudanças nas normas regras da governança corporativa. A crise BackOffice do final dos anos 1960 e o colapso de 1971 do mercado causada interrupções extremas, além de outras crises como Watergate, gerou a busca pela responsabilização dos atos. Os resultados dos esforços para garantir a credibilidade das atuações resultaram na reformulação conceitual dos conselhos, os quais foram melhores articulados aos princípios de governança corporativa, dando-lhe mais independência afirmadas pelos tribunais de Delaware. Nesses tribunais os conselhos passaram a ter suas prerrogativas de independência afirmadas, pois, seguidos os ritos processuais, os atos praticados seriam blindados de investigação judicial. (Mitchell & Mitchell, 2010).

Em meados da década de 1980, segundo Mitchell e Mitchell (2010), os tribunais de Delaware definiram o poder de monitoramento do conselho como absoluto e inquestionável, incluindo o poder de impedir os acionistas de exercer o seu direito de sair da empresa com a venda de suas ações para um acionista oportunista. Dessa forma, os diretores não seriam nem representantes nem procuradores dos acionistas, mas sim seus agentes. O modelo de monitoramento repousava sobre os pressupostos de haver o monitoramento dos executivos no intuito de melhorar seus desempenhos.

A regulação sofre variações de enfoques a depender de aspectos específicos de cada região. Andres, Betzer, Goergen e Metzger (2010) revisam as principais taxonomias dos sistemas de governança corporativa, incluindo as variedades do capitalismo como uma delas. As economias baseadas em mercado (market-based) e as baseadas no sistema bancário (bank-based), cuja taxonomia foi apresentada em Hicks (1969) e Chandler (1977; 1984), estabelecem abordagens diferentes para as regulações. As economias de mercado são caracterizadas por sua dependência forte nos mercados de capital e dívida pública enquanto as economias bancárias contam com bancos para financiar empresas. O Reino-Unido e os Estados Unidos são considerados em pesquisas citadas por Andres et al. (2010) como market-based. Já França, Alemanha e Japão são considerados bank-based.

As diferenças na história e regulação do setor bancário tiveram uma grande influência no desenvolvimento dos sistemas nacionais de governança corporativa. Em sistemas baseados no mercado, os bancos e companhias de seguros atuam principalmente como intermediários financeiros e raramente participam do capital de empresas comerciais e industriais. Nos Estados Unidos, por exemplo, há impedimentos para a participação direta de bancos no capital de empresas. (Andres et al., 2010).

Outra taxonomia distingue o insider do outsider system. Em economias baseadas no mercado há difusão do outsider system no qual a gestão se alinha aos interesses dos acionistas. No insider system, o mercado é regido por agentes com informação privilegiada. Esse cenário é mais visualizado onde há concentração de propriedade, participação cruzada e interesses familiares no comando das empresas. (Andres et al., 2010).

A governança corporativa ainda sofre influência de outras taxonomias para sua efetiva implementação e difusão. Andres et al. (2010) citam o direito e civil e o direito comum como importantes para definir as diretrizes de funcionamento das regulações e sua aceitação pelos países, assim como o sistema eleitoral (proporcional ou majoritário) e os determinantes políticos.

A proposta da governança corporativa, segundo Todd (2010) é dirigir e controlar as atividades de uma organização pelo estabelecimento de estruturas, regras e procedimentos para a tomada de decisão. Contudo, a busca por melhores práticas de governança corporativa pode ser equivocada, exceto quando há uma relação de causa-efeito entre os procedimentos especificados e os resultados desejados pela companhia.

O framework do ACG – Aspirational Corporate Governance sugere princípios gerais, aplicáveis a qualquer organização, porém seu foco é em grandes empresas com negociação pública de ações. A maiorias das empresas aceitas as melhores práticas sugeridas pelo ACG por proteger os interesses dos acionistas e procurar maximizar o valor de seus papéis no longo prazo. Mesmo assim, Todd (2010) revela não haver uma associação entre governança e a performance das empresas. Outras entidades também emitem seus guias para melhores práticas de governança, tais como a Associação Nacional dos Diretores Corporativos (NACD) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). Independente do órgão, as práticas sugeridas convergem ao ponto principal da governança corporativa: reduzir o conflito de agência.

A ocorrência de crises econômicas sempre existirá dadas as suas múltiplas causas. O fortalecimento das relações entre os agentes econômicos possivelmente iniba a repetição de casos extremos na economia. A rigor, os problemas econômicos são tratados como problemas gerais e não endógenos. A proliferação de aspectos endógenos negativos como más condutas da gestão, utilidade dos agentes e ausência de prestações de contas responsável por bolhas econômicas e descrédito no mercado.

A qualificação da relação entre a empresa e todos seus stakeholders contribui tanto para a continuidade da empresa como para a permanência da companhia no mercado. A clareza das relações leva o mercado para um patamar viável sob o ponto de vista capitalista.

O capitalismo com vista a todo o portfólio de agentes contratantes da firma é salutar para economia. A adoção das melhores práticas de governança corporativa conduz a empresa à redução do conflito de agência e a melhor relação com seus agentes.

É importante, todavia, observa o ambiente no qual a empresa está inserida. Uma economia baseada no sistema bancário é diferente de uma economia baseada em mercados essencialmente pelo usuário ao qual a empresa busca manter relação informacional mais direta. Uma economia baseada em mercados direciona seus esforços ao investido, enquanto quando baseada no sistema bancário há um controle maior do setor privado e acesso a informações privilegiadas, contribuindo para ganhos acima da média e para a ineficiência do mercado.

Todo o arcabouço teórico da governança corporativa disciplina formas para se reduzir o conflito de agência e alinhar todos os objetivos ao da empresa. Embora pareça óbvio ou de fácil aplicação, a governança corporativa invoca a condução de políticas efetivas e requer o envolvimento da alta gestão na inclusão das devidas rotinas no planejamento estratégico das empresas.

A governança corporativa é, portanto, um instrumento importante para a economia ao propor a qualificação das relações contratuais da firma. Ao mesmo tempo trata-se de uma percepção de mercado e não individual. O ambiente no qual a concorrência se estabelece pode ditar a viabilidade de boas práticas de governança corporativa.


Andrade, A. & Rossetti, J. P. (2009). Governança Corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências (4a ed.). São Paulo: Atlas.

Baker, H. K. & Anderson, R. (2010). An Overview of Corporate Governance. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 1, pp. 3-18). New Jersey: Wiley.

Mitchell, L. E. & Mitchell, D. T. (2010). The Financial Determinants of American Corporate Governance: A Brief History. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 2, pp. 19-36). New Jersey: Wiley.

Andres, C., Betzer, A., Goergen, M., & Metzger, D. (2010). Corporate governance systems. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 3, pp. 37-56). New Jersey: Wiley.

Todd, A. (2010). Corporate governance best practices. In H. K. Baker & R. Anderson (Eds.). Corporate governance: a synthesis of theory, research, and practice (Chap. 4, pp. 57-78). New Jersey: Wiley.


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