Informação Contábil e Value Relevance

Resenha

Contabilidade
Value relevance
Autor

Kléber Formiga Miranda

Data de Publicação

14 de dezembro de 2019

Ball e Brown (1968) estabelecem um marco para a pesquisa em contabilidade, normalmente voltada, até então, ao aspecto normativo. As pesquisas contábeis, pós 68, passaram a adotar o caráter denominado de positivo. Mudava-se o foco das pesquisas, mas não a qualidade das pesquisas. Portanto mudar o aspecto normativo para positivo não tratou de avanço do ponto de vista qualitativo, mas de interesse no objeto de pesquisa.

As pesquisas normativas são realizadas antes do acontecimento dos fatos, ou seja, busca anteceder ações e procedimentos, indicando métodos e metodologias consideradas como ideais para cada situação analisada. Já as pesquisas positivas focam em dados já acontecidos. Sua função é descrever e explicar eventos ocorridos. O que as pesquisas de Ball e Brown (1968) e Beaver (1968) trazem de novidade é a busca da explicação do mercado de capitais com base em números da contabilidade. Nessa visão positiva da pesquisa buscavam com base nos seus resultados prever escolhas contábeis futuras.

Nesse momento as pesquisas empíricas na área contábil ganham força e os números contábeis passam a constituir papel importante para as pesquisas. Contudo é importante acompanhar o raciocínio de Kothari (2001) quando expõe a necessidade de uma base teórica para pesquisas empíricas, pois resultados empíricos são inviáveis sem o confronto com a teoria.

As pesquisas sobre o mercado de capitais tratam de temas múltiplos como previsão de analistas, análise fundamentalista e testes de eficiência de mercado. Esse direcionamento conduz a pesquisas, cuja abordagem é o cerne dessa resenha, qual seja a value relevance (VR).

Um valor contábil é definido como VR quando possui associação com os valores do mercado de capitais (Barth, Beaver & Landsman, 2001). Assim as pesquisas voltadas para VR se apoiam na ideia de influência dos números contábeis com o mercado de capitais. Barth et al. (2001) incluem, ainda, a proposição do FASB para o conceito de VR, para o qual um valor contábil é considerado relevante quando influencia a decisão de quem o utiliza, referenciando-se na característica da confiabilidade. Portanto para ser VR a informação contábil tem que representar aquilo que se propõe.

Antes, porém, de discutir a influência normativa nos números contábeis, é importante avaliar a utilidade dos números contábeis em pesquisas sobre o mercado de capitais. Nessas pesquisas assume-se a hipótese da ineficiência do mercado, assim, as informações da contabilidade reduziriam a assimetria informacional entre os agentes na medida em que fosse considerada como VR.

Na abordagem de valuation, destaca-se Ohlson (2005) por tratar da valoração das empresas com base no patrimônio líquido e dividendos, sob a perspectiva do lucro limpo. Em modelos como o de Ohlson as variáveis contábeis são VR, tendo em vista a sua capacidade de refletir o valor da empresa e impactar (positiva ou negativamente) o mercado de capitais. Mesmo considerando a fragilidade dos números contábeis, verifica-se que a média ponderada do valor presente dos lucros e do valor contábil do PL contribuem para o processo avaliativo.

Para facilitar a compreensão sobre VR, Holthausen e Watts (2001) estabeleceram uma classificação de estudos sobre VR em 3 categorias, quais sejam os estudos de associações relativas, estudos de associação incremental e estudos de conteúdo informacional marginal. Em geral essas classificações se voltam a forma como os conteúdos considerados VR são tratados pelas pesquisas.

Os estudos de associação relativa geralmente tratam de inferir VR para as variáveis inseridas em modelos econométricos e causam um aumento no coeficiente de determinação da regressão (R2). Dessa forma, um aumento do coeficiente caracterizaria a variável inserida como VR. Os estudos de associação incremental não avaliam o coeficiente de determinação, mas o coeficiente estimado da variável buscando inferir sobre a amplitude da interferência da informação VR para o objeto de estudo. Já os estudos de conteúdo informacional marginal investigam janelas de eventos antes e após a divulgação de determinada informação, consideradas VR aquelas que impactam o mercado de capitais após sua divulgação. (Holthausen & Watts, 2001).

De uma forma geral, esses estudos podem se apresentar frágeis dados os aspectos temporais, de seleção da amostra, setorial, dentre outros que podem contribuir para mudanças dos resultados após o período de análise. Dessa forma, uma informação considerada VR no período analisado pode não o ser no período seguinte. Contudo, ainda assim essas investigações são importantes por se encaixarem na perspectiva positiva da contabilidade de buscar prever comportamentos futuros com base na descrição de informações já ocorridas.

Emergem desse contexto as teorias subjacentes do direct valuation e dos inputs-to-equity valuation. Na teoria do direct valuation os lucros contábeis relacionam-se com as alterações de valor no mercado de capitais, já sob o prisma da teoria dos inputs-to-equity valuation há o entendimento quanto a utilização das informações contábeis para operações de valoração das empresas.

Holthausen e Watts (2001) estabelecem o interesse normativo com base nessas duas teorias subjacentes da VR. Organismos normatizadores estariam interessados em informações baseadas em direct valuation dado que a busca pela proximidade dos números contábeis com o mercado de capitais seria de grande valia. Assim, a normatização tenderia a privilegiar informações que aproximassem as demonstrações contábeis da real situação da empresa.

Conforme Barth et al. (2001), a pesquisa sobre VR é potencial para um grupo mais amplo que vai além de pesquisadores acadêmicos. Incluem-se organismos de normatização, como o FASB, o IASB, a SEC, dentre outros.

Exemplo desse contexto é demonstrado com o FASB ao permitir a mensuração pelo custo ou a valor justo em títulos de investimento. A medida que fosse comprovada, de forma empírica, a melhor relação do valor justo com o preço das ações, o FASB tenderia a incorporar na sua norma a indicação do valor justo como base de valor para títulos de investimento, em detrimento da metodologia baseada em custo. O inverso também seria possível, caso as pesquisas indicassem o custo com maior associação com o mercado de ações.

Holthausen e Watts (2001) demonstram a influência do FASB nos estudos sobre VR no sentido de que, em sendo o órgão normatizador contábil americano, precisaria emitir pareceres e declarações voltadas a informações convergentes com a realidade. Os autores ressaltam a declaração do FASB com base no SFAC n° 1 onde estabelece o objetivo da VR como o fornecimento de informações úteis na tomada de decisões econômicas e de negócios.

Neste ponto Holthausen e Watts (2001) discutem a real identificação da VR, pois o FASB não diferencia os usuários da informação contábil e define o uso das demonstrações contábeis para fins gerais. Contudo, os autores demonstram que os interesses pelas informações da contabilidade podem divergir. Nem todos os detentores de títulos de dívidas estão interessados na rentabilidade da empresa, por exemplo.

As implicações desses fatos para a pesquisa contábil residem no fato de não ser possível afirmar que os resultados sobre VR sejam robusto quando se trata de interesses de investidores individuais dada a diversidade de intenções com a informação.

Portanto, as pesquisas sobre VR devem observar a normatização do FASB, pois conforme Holthausen e Watts (2001), definir um valor relevante antes de se tornar um GAAP pode não ser confiável visto que após ser um GAAP pode não ser verificável. Da mesma forma que uma informação pode não ser considerada VR, mas depois de normatizada e auditada pode tornar-se VR.

Holthausen e Watts (2001) estabelecem haver generalizações nos estudos de VR que geram insights para os normatizadores e pesquisadores da área contábil. Por outro lado, Barth et al. (2001) reforçam a importância de se pesquisar VR dada sua importância para criação de normas contábeis.

A grande divergência entre ambas pesquisas reside no fato de Holthausen e Watts (2001) invocarem uma teoria contábil mais robusta para embasar os estudos sobre VR com mais profundidade. Os autores finalizam convocando a comunidade acadêmica para encorajar-se a buscar novas formas de identificar quais aspectos afetam a forma e o conteúdo das informações contábeis. Para Barth et al. (2001), as pesquisas sobre VR constituem conteúdo informacional decisivo e importante para a o desenvolvimento de normas, contudo reconhecem a dificuldade das pesquisas em acompanhar a dinâmica do mercado.

Por fim, a grande questão levantada nas pesquisas de Barth et al. (2001) e Holthausen e Watts (2001) é como ou quando definir uma informação contábil como VR. Essa definição passa, inexoravelmente, pela noção de influência no mercado de capitais que pode ou não ter sido estabelecida via normatização. Portanto, as pesquisas sobre VR devem contribuir para normatização (quanto os órgãos de normatização as informações como VR) e, ao mesmo tempo, utilizar-se delas para serem reconhecidas como VR pelo mercado. Permanece, então, a linha tênue de quando e para quem uma informação é value relevance.


Barth, M.E., Beaver, W.H. & Landsman, W.R. (2001). The relevance of the value relevance literature for financial accounting standard setting: Another view. Journal of Accounting & Economics, 31(1-3), 77-104.

Holthausen, R. W. & Watts, R. L. (2001). The relevance of the value-relevance literature for financial accounting standard setting. Journal of Accounting and Economics, 31(1-3), 3-75.

Kothari, S. P. (2001). Capital markets research in accounting. Journal of Accounting and Economics, 31(1-3), 105-231.

Ohlson, J. A. (2005). On accounting based valuation formulae. Review of Accounting Studies, 10, 323-347.


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