Mensuração Contábil

Resenha

Contabilidade
Mensuração
Autor

Kléber Formiga Miranda

Data de Publicação

14 de dezembro de 2019

A necessidade de mensuração é presente nas diversas áreas do conhecimento, sendo solicitada quando se pretende comparar algo com seu similar de referência. Assim, se estabelecem os padrões de mensuração. Exemplos práticos dessa necessidade são presentes no cotidiano das pessoas quando pretendem medir sua pressão arterial ou sua temperatura. Embora leigos em medicina, a maioria das pessoas tomam decisões de procurar um médico após atestar sua temperatura acima do “normal”, assim como sua pressão. O estabelecimento de um padrão na mensuração de diversos aspectos contribui para tomadas de decisão. Dessa forma, a acurácia da mensuração é sempre observada pela probabilidade de causar danos quando sua medida não é precisa.

Com a contabilidade não é diferente. A mensuração do patrimônio de uma empresa também é estabelecida com base em padrões pré-definidos e, essencialmente regulados. Contudo, no caso contábil, há a demanda pela revelação de um patrimônio próximo da realidade econômica, onde os valores alocados ao patrimônio apresentem uma visão verdadeira e justa da posição patrimonial e do desempenho. Essa é a discussão norteadora desse resumo crítico sobre mensuração contábil. Serão delineados os entendimentos sobre como a contabilidade trata os valores incorporados ao patrimônio das empresas e como os agentes reguladores e o mercado visualizam essas informações.

As informações contábeis servem para dois propósitos quais sejam a avaliação por gestores das suas decisões anteriores para otimização das novas decisões e avaliação da gestão pelos acionistas, credores e outros (Edwards & Bell, 1961).

Martins (2000), já expunha as enormes discussões provocadas nos meio meios acadêmico e profissional, ao longo do tempo, quanto a avaliação patrimonial das empresas. Para o autor, são diversas as formas de se medir o patrimônio e o lucro de uma empresa, indo de um custo histórico, baseado em transações ocorridas, passando pelo custo corrente, com base na reposição do consumo decorrente da produção, até se chegar ao valor presente dos fluxos de caixa futuro.

Todas essas medidas são aceitas e utilizadas, a depender da decisão pretendida por cada usuário, convergindo para um único elemento, qual seja o caixa. O interesse em qualquer decisão econômica se direciona ao caixa, ou seja, no dinheiro disponível. No custo histórico se avalia o caixa ocorrido. No custo corrente, o caixa a prestes a acontecer e, no fluxo de caixa futuro, o caixa esperado (Martins, 2000).

De acordo com Bierman Jr. (1963), o equívoco defendido por alguns quanto a capacidade dos contadores apresentarem medida verdadeira tem dificultado o progresso na prestação de informação financeira. Se a contabilidade se limitou a apresentar a quantidade de dinheiro no banco, uma medida é verdadeiramente atingível. Mas quando o âmbito da contabilidade é ampliado a partir do objetivo limitado de medição de caixa, a possibilidade de encontrar uma medida verdadeira fica fora de alcance.

Assim, se espera uma contabilidade capaz de definir o melhor aparato informacional para definir qual mensuração é mais adequada para revelar o valor patrimonial de uma empresa. Essa decisão passa, inexoravelmente, pela normatização da contabilidade, de onde se espera a melhor escolha no padrão contábil em benefício da maior gama de usuários.

Porém, deve-se observar as características qualitativas da informação contábil, em especial, para essa discussão, as características fundamentais da relevância e da representação fidedigna e as características de melhoria da comparabilidade e da verificabilidade. As demais características de melhoria da tempestividade e da compreensibilidade, embora importantes, no processo de mensuração, podem ser absorvidas na discussão das demais características propostas.

De acordo com Comitê de Pronunciamentos Contábeis (2011), uma informação para ser relevante precisa ter utilidade na tomada de decisão. Portanto a mensuração de quaisquer elementos contábeis deve ter por finalidade provocar a decisão de um usuário. Contudo, a busca pela melhor informação possível pode não ser apropriada no caso da contabilidade, pois embora se espere uma informação com melhor acurácia, se espera ter essa informação tempestivamente em todos os períodos para poder comparar a informação de uma empresa com outra e, também, as informações de uma mesma empresa durante diversos períodos. Assim, uma informação elaborada em determinado período deve ter seu procedimento de mensuração repetido em outros momentos. A ausência de integridade nas informações acaba por influenciar a confiabilidade da informação, outro atributo qualitativo da informação.

Para Godfrey et al. (2010), a possibilidade de erro na mensuração é iminente e possui diversas fontes. As operações mensuradas estabelecidas imprecisamente, por exemplo, refletem o caso onde as premissas utilizadas para definir como a informação deve ser mensurada pode ser impreciso. Então, quando um órgão normatizador define o custo histórico como a melhor medida de medição estoque pode gerar informações imprecisas pelos elaboradores, mas aceita no meio dada a sua regulação. O elaborador da medição (measurer) também representa outra fonte de erro, pois pode interpretar erroneamente algum procedimento da medição e enviesar a informação prestada, podendo ocorrer deliberadamente ou por erro.

Outras fontes de erro são decorrentes do instrumento de medição, do ambiente, de atributos obscuros e do risco e incerteza. O instrumento de medição se refere ao fato de a forma como a mensuração é captada (gráficos, planilhas, controles) pode conter vieses ou imperfeições na coleta e inserção de informações. O ambiente influencia a informações no sentido de restringir a ação do measurer, tais como ambiente regulado, com ausência de punições adequadas ou até mesmo a oferta de bônus aos measurers. Os atributos obscuros (attribute unclean) são fontes de erro por incorporarem a possibilidade de não haver clareza na medição realizada, como é o caso do próprio lucro quando mensurado por diversas formas de avaliação, mas normalmente é indicado o custo histórico. Por último, o risco e a incerteza são fontes de erro devido a existência de valores nas empresas cuja mensuração não é certa, mas ainda assim é importante ser evidenciado. É o caso dos intangíveis, pois não se sabe ao certo se o retorno proposto na sua mensuração é dado como certo. (Godfrey et al. 2010).

No contexto até então exposto percebe-se a dificuldade, quando da elaboração das demonstrações contábeis, de apresentação de valores referentes à posição patrimonial e ao desempenho das empresas em consonância com a realidade. A utilização da informação pelos diversos usuários dificulta a adoção de um único procedimento de mensuração para as informações contábeis. A possibilidade de erro de mensuração perpassa desde falhas operacionais até a própria utilização indevida (deliberada ou não) dos critérios de mensuração pelos elaboradores das demonstrações.

Considerando as normatizações vigentes no mercado internacional quanto a mensuração de informações contábeis destaca-se a tendência da adoção do valor justo como o valor representativo da visão justa e verdadeira (true and fair view – TFV) do valor patrimonial.

À primeira vista, valores de saída ou valores obtidos no mercado onde a empresa opera, embora mais subjetivos, dão a impressão de serem mais próximos da realidade. Considera-se a precificação das transações ocorridas como o valor real do ativo negociado. Assim, há uma discussão recorrente sobre a mensuração dos componentes contábeis pelo valor justo. Para IASB (2011), o valor justo é o preço a ser recebido na venda de um ativo ou pago para transferir um passivo em uma transação ordenada entre os participantes de um mercado na data de mensuração, ou seja, um preço de saída.

De acordo com KPMG (2011), o valor justo leva em conta as características dos ativos e passivo e não do as características específicas da entidade. Sua mensuração presume uma transação no mercado principal, cujo preço não é ajustado pelos custos de transação. Portanto, maximiza o uso de inputs observáveis e minimiza os não observáveis. Dentre esses princípios observam-se as vantagens para o uso do valor justo como medida para ativos e passivos. Contudo, Barth e Landsman (1995) alertam para o comportamento utilitarista dos gestores na mensuração do valor justo. Em um mercado perfeito, as demonstrações contábeis efetuadas com base no valor justo refletiriam toda relevância de valor da informação. Porém, em mercados mais realistas, o valor justo pode ter sua relevância diminuída.

Na crise subprime de 2008, quando o mercado em euforia acabou supervalorizando imóveis e subavaliando os riscos, a contabilidade foi atacada pelo fato da mensuração a valor justo, especialmente pelo excesso de otimismo na mensuração de ativos. Dessa provocação, o IASB e o FASB emitiram parecer conjunto sobre a avaliação a valor justo, gerando alterações na IFRS 13 (IASB) e no Tópico 820 (FASB).

De acordo com o IFRS 13, a mensuração do valor justo se aplica a IFRS onde o valor justo é exigido ou permitido nas mensurações ou divulgações e proporciona um quadro único para IFRS. De acordo com FASB (2011), A harmonização dos requisitos de mensuração do valor justo e divulgação constitui um elemento importante da resposta dos boards à crise financeira global. Importante ressaltar a vasta discussão acerca de como se demonstrar como mensurar a valor justo, sendo inclusive ponto de pauta a inserção de exemplos na norma, optando-se ao final, pela extensão das alterações da norma com situações mais detalhas.

O IFRS 13 estabelece o valor justo como uma medida baseada no mercado, mesmo reconhecendo em alguns casos as informações possam não serem observáveis. Não se estabelece ou prescreve o uso de uma técnica específica para mensuração. (IASB, 2011).

Portanto, a busca por uma contabilidade a valor justo permanece sendo um desafio para os elaboradores das normas, assim como para os gestores das empresas. A escolha pelo valor justo, embora não seja consenso, tem demandado estudos a fim de normatizar o melhor uso do valor justo nas demonstrações contábeis.


Barth, M. E. & Landsman, W. (1995). Fundamental issues related to using fair value accounting for financial reporting. Accounting Horizons, 9(4), 97-107.

Bierman Jr., H. (1963) Measurement and accounting. The Accounting Review, 38(3), 501-507.

Comitê de Pronunciamentos Contábeis. (2011). CPC 00 (R1): estrutura conceitual para elaboração e divulgação de relatório contábil-financeiro. Disponível em http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/147_CPC00_R1.pdf. Acesso em 04.jun.2015.

Edwards, E. O. & Bell, P. W. (1961). The theory and measurement business income. California: University California Press.

Financial Accounting Standards Board. (2011). Fair Value Measurement (Topic 820): amendments to achieve common fair value measurement and disclosure requirements in U.S. GAAP and IFRSs. FASB.

Godfrey, J., Hodgson, A., Holmes, S. & Tarca, A. (2010). Accounting theory. (7\(_{a}\) ed.). New York: Wiley.

International Accounting Standards Board. (2011). IFRS 13: Fair Value Measurement. London: IASB.

KPMG. (2011). Orientação unificada para mensuração e divulgação do valor justo para IFRS. IFRS em destaque.


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