Estrutura Conceitual da Contabilidade
Resenha
Os conceitos subjacentes à preparação e apresentação das demonstrações contábeis são estabelecidos, conforme o International Accounting Standards Board (2013), pela Estrutura Conceitual para Relatórios Financeiros (Conceptual Framework for Financial Reporting). Procura-se um sistema coerente de objetivos inter-relacionados para levar a padrões contábeis consistentes na tentativa de fornecer uma teoria estruturada da contabilidade (Deegan & Unerman, 2011).
Para Deegan e Unerman (2011) estruturas conceituais de contabilidade prescrevem a natureza, a função e os limites da contabilização. Os procedimentos contábeis prescritos se encaixam em um padrão normativo, cujo propósito é estabelecer uniformidade das ações ao ponto de permitir a comparação entre as informações prestadas pelas entidades. De acordo com Financial Accounting Standards Board (2014), a estrutura conceitual objetiva desenvolver um quadro conceitual capaz de fornecer uma base sólida para o desenvolvimento de normas contábeis futuras.
De acordo com Godfrey et al, (2010), as estruturas conceituais do IASB (International Accounting Standards Board) e do FASB (Financial Accounting Standards Board) consideram o principal objetivo dos relatórios financeiros sendo comunicar informação financeira para os usuários. Com base na utilidade da informação, o processo de decisão econômica deve ser útil na tomada de decisões econômicas, em avaliar as perspectivas de fluxo de caixa e sobre os recursos da empresa.
A demanda pelas informações contábeis origina-se nos contratos estabelecidos entre a entidade que reporta a informação e seus usuários, ou seja, os agentes contratualmente envolvidos nas suas operações. Assim, o padrão contábil estabelecido deverá atender a diversas demandas, dados os interesses de cada agente. Deegan e Unerman (2011) estabelecem a emergência de um acordo para esse padrão, pois sem esse critério comum a contabilidade seria desenvolvida de forma específica para cada caso, limitando sua consistência.
Embora com vários usuários, credores e acionistas possuem preferência na informação prestada com base na estrutura conceitual. Para Financial Accounting Standards Board (2014), a estrutura conceitual é essencial para cumprir sua meta de desenvolver padrões baseados em princípios, fornecendo as informações para qualificação da tomada de decisão dos provedores de capital. Nota-se o direcionamento aos provedores de capital, nessa afirmação do FASB. Esse viés deve-se ao fato do risco envolvido na aplicação do capital e na oportunidade dos credores e investidores realizar novos investimentos ou realocar seu capital para empresas com números mais viáveis.
Uma prova do empenho para unificação do padrão contábil é relatada em IFRS (2013) ao mencionar o esforço do IASB e o FASB. Ambos são órgãos emissores de padrões contábeis, sendo o primeiro influente inicialmente na Europa e, atualmente, na maioria dos países e, o segundo, no padrão contábil americano. Embora convirjam para uma estrutura conceitual baseada em princípios o padrão do FASB tende a estabelecer um caráter mais normativo após o estabelecimento dos princípios a serem adotados para cada operação.
Dessa forma, alguns conceitos se confrontam entre o FASB e o IASB. Contudo, em 2004 deram início a um projeto conjunto no sentido de revisarem a estrutura conceitual. Em 2010 emitiram dois capítulos de uma estrutura conceitual revista, cuja vigência iniciou-se logo após sua publicação. Nesse mesmo ano suspenderam os trabalhos para voltar-se a projetos próprios. Em 2012, o IASB, isoladamente, realizou uma audiência pública onde constatou a prioridade da estrutura conceitual para os projetos do IASB. (IFRS, 2013).
As divergências desse processo são atribuídas ao fato de o IASB entender a necessidade de emitir a estrutura conceitual completa, permitindo uma visualização da norma como um todo, enquanto o FASB entendia a implementação de forma gradual, em oito etapas, como a melhor maneira de percepção pelos usuários. Assim, as agendas acabaram se individualizando, não sendo possível lançarem uma estrutura conjunto, mesmo convergindo em diversos conceitos e opiniões.
Importante comentar não haver consenso quanto à unificação do padrão pelo IASB e o FASB. A existência de dois padrões permite a noção de maturação de cada padrão proposto. Portanto, uma norma emitida pelo IASB pode ser confrontada com a do FASB e vice-versa. Na existência de apenas um padrão essa análise seria impossível. Portanto, definir o objetivo das demonstrações contábeis é de suma importância para a convergência a pontos comuns.
Para Riahi-Belkaoui (2004), formular os objetivos da contabilidade perpassa pela resolução de conflitos de interesse existente o mercado da informação. Especificamente o autor menciona que as demonstrações financeiras resultam da interação de três grupos: a firma, os usuários e o profissional contábil. Os interesses dispersos nessa interação geram o conflito entre eles na busca pela informação contábil mais benéfica para si.
Nessa linha, há três abordagens a serem discutidas: a primeira a abordagem orientada na firma (firm-oriented) na qual a empresa estaria pronta para divulgar e tentar encontrar as melhores maneiras de mensurar e verificar suas informações. A abordagem orientada no profissional (profession-oriented), em segundo, considera a capacidade do profissional em tentar mensurar e verificar as informações contábeis e tentar acomodá-las ao interesse dos usuários e firmas por meio das várias opções contábeis. Por último, a abordagem orientada nos usuários (user-oriented) para a qual o usuário é o foco central da informação contábil e encoraja profissionais e firmas a produzir e verificá-las para atender às expectativas informacionais dos usuários.
Essas abordagens acabam orientando a postura de órgãos normalizadores como o IASB e o FASB. A escolha por um grupo de usuários específicos direciona a forma como seus posicionamentos serão firmados. Kothari, Ramanna e Skinner (2010) destacam três teorias de regulação norteadoras de órgãos reguladores: interesse público, captura e ideologia. Sob a teoria de interesse público, a regulação a normatização leva em consideração a benevolência dos elaboradores da norma para “falhas naturais’’ de mercado. Na prática, a regulamentação é mais adequadamente descrita pelas teorias de captura ou ideologia, porque há pouco suporte empírico para o modelo de um fabricante de política benevolente e onisciente. Segundo a teoria da captura, as normas seriam resultado de tentativas de contabilistas e auditores adequarem a socialização dos custos esperados para elaboração da norma. Sob a teoria da ideologia observa-se o resultado combinado das ideologias dos formadores normas e os princípios de contabilidade, não sendo necessariamente ideal para facilitar as tomadas de decisão.
A teoria do interesse público deveria prevalecer, mas conforme indicado por Kothari, Ramanna e Skinner (2010) as teorias da captura e da ideologia prevalecem. Assim, o FASB ou IASB devem buscar atender a um público específico. Nessa linha, Deegan e Unerman (2011) demonstram a complementaridade dos objetivos das demonstrações contábeis indicadas pelo FASB e pelo IASB. Para os autores, o FASB considera como objetivo da informação contábil o fornecimento de informações úteis a potenciais investidores e credores, além de outros usuários na tomada de decisão racional de investimentos, crédito, dentre outros semelhantes. Para o IASB, o objetivo das demonstrações contábeis é fornecer informação sobre a posição financeira, desempenho e mudanças na posição financeira de forma a ser útil para uma ampla gama de usuários de decisões econômicas.
Não há dúvida quanto aos objetivos propostos pelo FASB ou pelo IASB, pois ambos se complementam além de serem claros quanto à utilidade da informação para os usuários, ou seja, a informação contábil deverá permitir a tomada de decisão por todos os agentes envolvidos na estrutura conceitua da firma. Portanto, é necessário ressaltar, a qualificação da informação também tratada na estrutura conceitual da contabilidade. Para Deegan e Unerman (2011), se uma informação contábil é considerada útil para os tomadores de decisão, então contém atributos e qualidades próprios.
Deegan e Unerman (2011) demonstram as características expostas pela estrutura conceitual do IASB, porém elas não divergem de frameworks de outros países. São a compreensibilidade, a relevância, a confiabilidade e a comparabilidade.
A compreensibilidade significa a possibilidade de um usuário com algum conhecimento em negócios e contabilidade compreender as informações prestadas. Possui importância, pois uma decisão será tomada com base na contabilidade se a informação prestada for compreendida. Deegan e Unerman (2011) esclarecem não haver a necessidade de se omitir informações complexas devido a possibilidade de não ser compreendida por alguns usuários. Os autores indicam a compreensibilidade como um desafio dentre as demais características qualitativas mencionadas, pois atendida a compreensibilidade o usuário está apto a tomar alguma decisão.
Porém, a compreensibilidade pode ser discutida em paralelo com a relevância no sentido de não haver informação de qualidade se ela não puder contribuir para a tomada de decisão. Assim, uma informação compreensível pode não ter utilidade na tomada de decisão para algum usuário. Deegan e Unerman (2011) apresentam a definição do IASB para essa segunda característica: a relevância. Para o IASB uma informação é relevante se influenciar decisões econômicas dos usuários, ajudando-os a avaliar eventos passados, presentes ou futuros, e ainda, confirmando ou corrigindo suas avaliações passadas.
Assim, há dois aspectos principais para a relevância. Uma informação passa a ser relevante se tiver valor preditivo e feedback (valor confirmatório). Para Schroeder, Clark e Cathey (2011), normalmente a informação faz as duas coisas ao mesmo tempo porque o conhecimento sobre o resultado das ações já tomadas, em geral, melhorará as habilidades dos tomadores de decisão em prever os resultados das ações semelhantes futuramente.
Quanto a confiabilidade, para Schroeder, Clark e Cathey (2011), repousa sob a fidelidade com a representação proposta, acoplada com a garantia de os usuários possuírem aquela qualidade representacional. Ou seja, a informação contábil deve ser fiel ao real valor econômico da operação em destaque. Assim, o usuário deve ter a convicção de ser uma informação verificável e neutra. Verificável no sentido de ser possível entender o método utilizado na sua formação. E, neutra, ao ponto de não atender prioritariamente a qualquer agente envolvido na relação contratual do fenômeno avaliado.
Portanto, para ser útil a informação deve ser relevante e confiável. Embora não seja possível avaliar o quão relevante ou confiável seja a informação, é necessário ponderar sobre o atendimento dessas duas características qualitativas. Importante, ressaltar não ser indicado enfatizar uma em detrimento da outra.
Por fim, trata-se da comparabilidade. Consiste em permitir aos usuários avaliarem diversas empresas diferentes ao longo do tempo ou em determinado tempo, ou ainda, uma única empresa ao longo do tempo. Essa dinâmica temporal da avaliação consistem em comparar os dados de um período com outro para indicação de melhoria ou piora da continuidade da empresa, permitindo escolher outra empresa para investimento ou retirada de capital do mercado.
No ambiente brasileiro, por meio do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, cuja estrutura conceitual converge com a do IASB, a relevância e a confiabilidade são tratadas como características fundamentais da informação contábil. As características de melhoria da informação são a comparabilidade, a compreensibilidade, a verificabilidade e a tempestividade. (Comitê de Pronunciamentos Contábeis, 2011).
Definido o objetivo e as características da informação contábil, a estrutura conceitual da contabilidade define critérios de reconhecimento, mensuração e divulgação dos componentes patrimoniais. Antes de adentrar nos critérios, porém, é importante esclarecer o papel do pressuposto da continuidade nas demonstrações contábeis. Sendo o foco principal do relatório financeiro a informação sobre os lucros e os seus componentes. Informação sobre o lucro da empresa com base na contabilidade real/vigente geralmente fornece uma melhor indicação do presente das empresas quanto a sua capacidade de continuidade, ou seja, capacidade para gerar fluxos de caixa futuros indicando a perenidade da empresa.
Relacionado ao reconhecimento, Riahi-Belkaoui (2004), expõe a necessidade de todos os valores referentes às operações empresariais serem feitos via demonstrações contábeis, pois qualquer divulgação realizada por outros meios diferentes das demonstrações financeiras não é reconhecimento.
O reconhecimento constitui o momento de indicar a ocorrência de um elemento contábil, dado determinado fenômeno. Riahi-Belkaoui (2004) apresenta uma diferença entre receita, ganhos e resultados, demonstrando a divergência dos ganhos diferem da receita por exclusão de determinados ajustes contábeis de períodos anteriores que não são reconhecidos no período em curso. A diferença entre os ganhos e resultado abrangente também implicam em diferenciação de reconhecimento, visto o primeiro ser reconhecido na demonstração de resultados, impactando diretamente no resultado. Já o resultado abrangente afeta o patrimônio líquido diretamente, sem transitar pelo resultado da empresa.
Os critérios de reconhecimento incluem: a) O item satisfaça a definição de um elemento das demonstrações financeiras; b) possuir um atributo relevante mensuráveis com suficiente segurança; c) as informações serem capazes de fazer a diferença nas decisões usuário; d) a informação é representa o proposto, fiel, verificável e neutro. (Riahi-Belkaoui, 2004).
Quanto a mensuração, pode ser realizada de diversas forma, com o custo histórico, o custo de reposição, valor atual de mercado, valor realizável líquido e valor presente dos fluxos de caixa. Cada forma de mensurar um elemento patrimonial é estabelecida ou regulada a depender do uso da informação.
Informações contábeis para usuários em geral têm-se voltado para o custo histórico, contudo o IASB busca incorporar o sentido de valor justo e buscar reduzir a distância entre o valor real da empresa e o valor contábil.
A evidenciação das informações contábeis constitui-se, na revelação de informações adicionais ou complementares aos valores reconhecidos e mensurados nas demonstrações contábeis. A estrutura conceitual dos diversos órgãos (IASB e FASB, por exemplo) convergem em diversos aspectos. O FASB privilegia uma informação verificável, na qual quaisquer dúvidas são evidenciadas em notas explicativas. Já o IASB prepondera a exploração das notas explicativas quanto aos julgamentos realizados nos componentes reconhecidos e mensurados com base em discricionariedade mais acentuada.
Assim, a definição de itens a serem evidenciados são importantes para uma padronização de informações a serem prestadas aos usuários, pois conforme Sunder (2014), os padrões economizam custos de transação. O autor aborda a redução de assimetria quando o usuário percebe melhor as informações prestadas pelas empresas.
Por fim, destaca-se dois conceitos de manutenção de capital abordados nas estruturas conceituais. São os conceitos de manutenção de capital financeiro e capital físico. Na manutenção do capital financeiro o lucro é auferido somente se o montante financeiro dos ativos líquidos no fim do período excede o seu montante financeiro no começo do período. Esse é o método mais difundido e conhecido pelos contadores em geral, pois as demonstrações contábeis revelam lucros nessa perspectiva. Já na manutenção do capital físico o lucro é reconhecido quando a capacidade física produtiva da entidade no final do período excede a do início do período. Representa uma forma de avaliação de lucro com base em capacidade operacional, por exemplo. Como o caso da indústria automobilística quando avalia sua capacidade de produzir carros conforme a demanda ampliada de um ano para outro.
Do exposto pode-se concluir pela necessidade clara e objetiva de uma estrutura conceitual para a contabilidade. A padronização de conceitos e de formas de reconhecimento e mensuração de elementos contábeis são importantes para elaboração de demonstrações contábeis consistentes e comparáveis em empresas de mesmo país ou de países diferentes, independentemente de haver mais de um órgão emissor de normas contábeis.
Comitê de Pronunciamentos Contábeis. CPC 00 (R1): estrutura conceitual para elaboração e divulgação de relatório contábil-financeiro. (2011). Disponível em http://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/147_CPC00_R1.pdf. Acesso em 04.jun.2015.
Deegan, C. & Unerman, J. (2011). Financial accounting theory. (2\(_{a}\) ed.). London: McGraw-Hill.
Financial Accounting Standards Board. Conceptual framework: project information page. 2014. Disponível em: http://www.fasb.org/jsp/FASB/FASBContent_C/ProjectUpdatePage&cid=900000011090. Acesso em 02.jun.2015.
Godfrey, J., Hodgson, A, Holmes, S.; Tarca, A. (2010). Accounting theory. (7\(_{a}\) ed.). New York: Wiley.
International Accounting Standards Board. (2013). A review of the conceptual framework for financial reporting DP/2013/1. London: IFRS Foundation.
Kothari, S. P., Ramanna, K. & Skinner, D. J. (2010). Implications for GAAP from an analysis of positive research in accounting. Journal of Accounting and Economics, 50, 246–286.
Riahi-Belkaoui, A. (2004). Accounting theory. (5\(_{a}\) ed). London: Cengage Learning.
Schroeder, R. G., Clark, M. W. & Cathey, J. M. (2011). Financial accounting: theory and analysis. (10\(_{a}\) ed). New York: John Wiley & Sons.
Sunder, S. (2014). Teoria da contabilidade e do controle. São Paulo: Atlas.
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